Para pesquisador, 2012 é um ano estratégico para incluir questões relacionadas à alimentação no orçamento público municipal

Leonardo Felipe de Oliveira Ribas, pesquisador do Centro de Referência do Direito Humano à Alimentação da instituição de ensino superior UNIABEU, localizada no Rio de Janeiro, ministrou palestra em Botucatu no dia 24 de novembro, durante o 4º Seminário de Articuladores Locais da Rede Sans. Na oportunidade, ele concedeu entrevista  em que aborda aspectos relacionados à segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação, com ênfase em legislações existentes.
Rede Sans: Inicialmente, gostaria que você conceituasse segurança alimentar.
Leonardo Ribas: Eu poderia conceituar mediante a definição que existe no artigo 3º da Lei 11.346 de 2006. O artigo 3º da Lei diz que a segurança alimentar é a garantia do acesso por toda a população de um alimento com quantidade e qualidade que não atinja os princípios econômicos, sociais, ambientais e culturais da população.
Agora, se nós pensamos segurança alimentar enquanto uma política que é para proteger, defender o direito humano à alimentação adequada, segurança alimentar significa muito mais do que isso, do que o conceito previsto na lei. Por quê? Porque, na verdade, o conceito de direito humano à alimentação envolve outros direitos e outras políticas como seria o caso da saúde, da assistência social, da habitação, do saneamento básico, do acesso à moradia. Também das garantias relacionadas à proteção à vida. Então, a segurança alimentar e nutricional é um conceito muito abrangente, muito maior do que o que está previsto no artigo 3º da Lei 11.346.
Eu diria que a segurança alimentar e nutricional é uma política que é multisetorial, transversal para garantir defesa do direito humano à alimentação, que é outro conceito que está encerrado no artigo 2º da lei, mas que também vem a ser mais abrangente do que aquilo que está lá definido.
Rede Sans: Agora eu gostaria que falasse sobre a trajetória dessa área, desde os primórdios até à atualidade, destacando os pontos principais de cada década.
Leonardo Ribas: Se nós pensamos, a contrário senso, a insegurança alimentar da população brasileira, se nós pensamos que, esse conceito de segurança alimentar está pautado no conceito de direito à alimentação adequada, saudável e sustentável, na verdade teríamos que nos reportar a chegada dos europeus no Brasil. Porque com a lógica do etnocentrismo, do massacre das populações, das nações indígenas que nós tivemos aqui, todo o processo também do escravagismo, ali começa a lógica da desigualdade socioeconômica no Brasil e, hoje, a insegurança alimentar e nutricional da população e a violação do direito humano à alimentação, na verdade, é uma consequência do próprio modelo de surgimento da sociedade brasileira.
Então, como é uma sociedade que é inaugurada pautada no modelo de desigualdade e esse é um processo que se instaurou ao longo dos cinco séculos de existência do nosso país, eu diria que a insegurança alimentar da população está lá com seu marco nos anos 1500. Agora efetivamente a articulação de uma política se segurança alimentar e nutricional, ela começa a ser pautada na década de 40 com Josué de Castro, quando ele vai escrever lá a Geopolítica da Fome, Geografia da Fome, e ele começa a discutir que  o problema da fome no Brasil, não é um problema de ordem religiosa, divina, natural, mas é um problema de ordem política. Então, ele depois como presidente da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), também como deputado federal, ele ajuda a implementar a política pública mais antiga que nós temos no Brasil em vigência até hoje que é a Política Nacional de Alimentação Escolar, que é de 1955. Então, nós temos outro marco aí na década de 50 que é essa política pública muito importante para nós, que tem intercessão com a política de segurança alimentar e nutricional. Nós temos outros marcos durante a década de 60, 70 que são a Revolução Verde e, assim, efetivamente da política mais recente de segurança alimentar, os marcos estão aí na década de 80 com a redemocratização, movimento da ética na política, tinha lá presente Dom Mauro Morelli, Betinho, entre tantos outros protagonistas, que iniciam um movimento que vai se tornar depois a Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria Pela Vida. Não poderia deixar de citar também Dom Luciano Mendes que era presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que junto com Dom Mauro e Betinho fundaram a Ação da Cidadania. Então, a Ação da Cidadania começa a interpelar o governo e aí, na passagem para o governo do Itamar Franco, em 92 para 93, é instalado o primeiro Conselho Nacional de Segurança Alimentar, cujo presidente foi Dom Mauro Morelli e dali começa toda uma pauta que vai redundar na primeira Conferência de Segurança Alimentar no ano de 92 para 93.
Hoje nós acompanhamos a 4ª Conferência Nacional que debateu o tema do direito humano à alimentação e estamos visando agora a implementação do sistema e do plano nacional de segurança alimentar. Tem muitas inconsistências ainda, inclusive no próprio modelo de proposta de implantação no pacto federativo com os estados e os municípios, mas cremos que até o próximo ano já confeccionado a peça que vai se tornar o plano de segurança alimentar.
Rede Sans: Na sua opinião, houve uma mudança nas políticas públicas com a troca de governo em nível federal?
Leonardo Ribas: Não houve. Houve sim uma mudança na passagem do primeiro mandato para o segundo mandato do presidente Lula, Aquele primeiro mandato, todos lembram que o principal programa do governo dele era o Programa Fome Zero. Tinha lá 42 programas, projetos dentro do orçamento público da união. Daí o que ocorre? Ao final do primeiro mandato do Lula, o próprio presidente da República e seu governo trabalharam o pressuposto de que eles haviam superado a fome no Brasil. E aí o próprio Fome Zero perde força no segundo mandato do governo Lula e hoje também a presidente Dilma, enquanto continuadora do projeto político do Partido dos Trabalhadores, que é o partido que já está há nove anos no poder, na presidência da República, eles simplesmente ignoraram essa dimensão da política de segurança alimentar e nutricional, que é bom ressaltar que segurança alimentar e nutricional não significa só combate à fome, mas ainda é uma dimensão importante porque nós temos 14 milhões de pessoas no Brasil que vive com menos de um dólar por dia. Então são pessoas que passam fome sim. Isso é uma dimensão muito importante porque no processo de desenvolvimento da pessoa humana as carências nutricionais comprometem todo o resto da vida da pessoa. A política continua a mesma que foi adotada no segundo mandato do presidente Lula. Eu considero que foi um desprestígio a não presença da presidente na Conferência (4ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e isso mostra qual é o lugar que a política (segurança alimentar e nutricional) tem para o atual governo.
Rede Sans: E em relação ao direito humano à alimentação, os avanços nessa área?
Leonardo Ribas: De cinco anos para cá nós tivemos avanço no sentido da regulamentação da Lei 11.346 de 15 de setembro de 2006, que é Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional. Passou quase quatro anos para que o presidente Lula regulamentasse essa lei. Foi o decreto presidencial 7.272 de 25 de agosto de 2010. Creio assim que um avanço foi também a Emenda Constitucional número 47 de 2003 que se transformou na Emenda 64 de 2010.
Não é a lei que garante a efetividade do direito, não é? É importante que nós tenhamos positivado no ordenamento jurídico brasileiro o direito humano à alimentação. Agora o que garante efetivamente é a sociedade, ela tendo conhecimento, se apoderando da informação do direito e buscando a exigibilidade e implementação do mesmo. O fato de estar constando lá na lei, que foi uma grande preocupação dos últimos mandatos do Conselho de Segurança Alimentar não resolve o problema do direito à alimentação no Brasil.
Rede Sans: Em relação à sua atuação no momento, gostaria que falasse sobre o  projeto que desenvolve.
Leonardo Ribas: Eu estou atuando como pesquisador do Centro de Referência do Direito Humano à Alimentação Adequada – Centro Universitário UNIABEU, fica no Rio de Janeiro. Nós temos um projeto de extensão, então nós desenvolvemos cinco eixos de ações relacionado ao direito à alimentação e, na atual fase, nós estamos na assessoria de um assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que fica em dois municípios: Caxias e Nova Iguaçu, chama-se Terra Prometida, e o projeto está assessorando no processo de regularização fundiária e, para que esses produtores de agricultura familiar possam se regularizar para se tornarem fornecedores da alimentação escolar com fundamento na lei de 11.947 de 2009, que determinou que 30% dos recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) que vem do MEC (Ministério da Educação) para alimentação escolar devem ser adquiridos da agricultura familiar.      
      
Rede Sans: Mais algum aspecto que você acha importante destacar? As perspectivas no setor…
Leonardo Ribas: O ano que vem, 2012, é um ano relevante do ponto de vista político porque é um ano que tem as eleições municipais e qualquer política pública no Brasil, ela só se consolida a partir das pontas, das bases que são os municípios, a gente precisaria ter um processo de mobilização da sociedade que pudesse discutir no projeto político dos candidatos e dos partidos, a inserção no orçamento público das medidas, dos programas, dos projetos, que garantem a proteção do direito humano à alimentação. Falo isso porque 2013 será o ano para apresentação para o Plano Plurianual, do PPA. O desenho do Plano Plurianual, que é a proposta de peça orçamentária, que vai reger o governo durante quatro anos, ela já é discutida no próximo ano, no ano de 2012. Então, tem que começar o processo de mobilização social porque se a gente visa o sistema de implantação do sistema nos municípios e de um plano municipal de segurança alimentar, 2012 é um ano estratégico pra poder fazer essa articulação de diálogo com os candidatos e com os partidos políticos para garantir o sistema de segurança alimentar e a proteção do direito humano à alimentação no orçamento público municipal.