A indústria de alimentos e os direitos dos cidadãos

Fredmeyer_edit_1A indústria de alimentos e os direitos dos cidadãos

Por: Luz Stella Álvarez Castaño*

Em entrevista ao rádio, em dezembro do ano passado, o ministro da saúde colombiano Alejandro Gaviria manifestou seu assombro pelo lobby mostrado pelos coletivos da produção e o comércio, com motivo da discussão no Congresso da República sobre o imposto às bebidas açucaradas que foi proposto pelo governo nacional e impulsionado pelo Ministério da Saúde como uma medida de saúde pública. De acordo com o que foi manifestado pelo ministro, a presença de lobistas representantes do grêmio de bebidas açucaradas no período de discussão do imposto não tinha precedentes na história do país.

Assista a entrevista com o Ministro: https://twitter.com/agaviriau/status/806126226595319808

Esse desdobramento dos grêmios não se limitou apenas a influenciar o voto do congressistas, o que finalmente conseguiram, mas também foi acompanhado de um leque de estratégias que incluíam: tentar distorcer a evidência científica que associa o consumo destas bebidas com a obesidade e outras doenças crônicas; mobilizar os donos de lojas com o argumento que o imposto constituía sua ruína pela diminuição das vendas de refrigerantes; até a “defesa” da dieta tradicional, já que segundo um dirigente  gremial havia que se considerar a população mais pobre, já que o refrigerante e o pão constituem o almoço dos trabalhadores colombianos.

Contudo, uma das estratégias que mais chamou atenção foi a censura à propaganda televisiva da organização “Educar Consumidores” fruto de um processo legal instaurado por Gaseosas Postobón (uma das maiores empresas de refrigerantes da Colômbia) e aceitada pela Superintendência de Indústria e Comércio. Por sorte, essa censura foi desmontada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Confira a retirada da propaganda televisiva: http://www.elespectador.com/noticias/saúde/el-polemico- comercial-de- bebidas-açucaradas-sacaron- del-articulo- 653715

Esta demonstração de força com recursos financeiros, mídia, estratégias jurídicas, congressistas e partidos políticos financiados por esta indústria, nos obriga fazermos algumas perguntas. As mais básicas, aquelas que muitos cidadãos se fazem: é possível saber o que a gente come? Deveríamos confiar nos embalagens dos produtos processados? Quem está fixando as normas sobre o processamento de alimentos no país? Quando o ânimo de lucrar entra em conflito com a proteção à saúde dos cidadãos, ao lado de quem fica o Estado? Tardamos anos para conhecer os efeitos do tabaquismo sobre a saúde, embora já muitos pesquisadores advertissem da sua associação com o câncer de pulmão e outras doenças respiratórias. Muitos governos, entre eles o Uruguai, aprovando leis para informar à população sobre o tabaquismo, enfrentam na atualidade processos legais interpostos pelas multinacionais da indústria do tabaco. Estamos na mesma situação no caso dos alimentos processados? Sobretudo, uma pergunta obrigatória: Quais consequências pode ter a decisão da Corte? Talvez não logremos ver o quadro completo pelo vertiginoso dos acontecimentos num período muito curto de tempo, mas sem dúvida estamos em frente de fatos transformadores.

“Conhecer como se produz e qual é o conteúdo e os possíveis efeitos para a saúde dos produtos que nos oferece a indústria de alimentos já não será uma questão de auto-regulação nem ficará à cargo do produtor ou do cultivador, mas começará a ser parte da realização de nossos direitos como cidadãos consumidores”.

Confira tutela da Corte: http://www.elespectador.com/noticias/judicial/la-pelea- por-saber- que-hay- en-una-bebida-açucarada- articulo-688931

Embora só se conheçam algumas partes da sentença, sem dúvida a decisão da Corte também não tem precedente e introduz uma nova era em termos do conteúdo de centenas de direitos sociais como o direito à saúde e, ouso dizer, que também frente ao direito à alimentação adequada e sua conexão com outros direitos como o direito a estar bem informado. Quer dizer que conhecer como se produz e qual é o conteúdo e os possíveis efeitos para a saúde dos produtos que nos oferece a indústria de alimentos já não será uma questão de auto-regulação nem ficará à cargo do produtor ou do cultivador, mas começará a ser parte da realização de nossos direitos como cidadãos consumidores.

Arrisco-me a projetar que o papel de instituições como INVIMA (Instituto Nacional de Vigilância de Medicamento) também mudará e que assim como tem evoluído a noção dos direitos humanos, subiremos nossas expectativas para que a indústria de alimentos também seja obrigada a desenvolver práticas de cultivo e processamento sustentável e saudável, além de manifestá-las.

Texto original (em espanhol):
*Luz Stella Álvarez Castaño. PHD
Universidad de Antioquia. Colombia
Luz.alvarez@udea.edu.co

Tradução para o português: Julian Medina

Revisão: Solon Neto