Estudo Unesp destaca valor da reforma agrária no desenvolvimento

A reforma agrária é um processo dinâmico baseado em relações sociais que produzem espaços e territórios. A constatação é do geógrafo Herivelto Fernandes Rocha, autor do estudo de mestrado “Produção territorial das reformas agrárias no Brasil,” realizado no Departamento de Geografia da  Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), Câmpus de Presidente Prudente.

Com orientação do professor Bernardo Mançano Fernandes, coordenador da Cátedra Unesco de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial, vinculado ao Instituto de Políticas Públicas e relações Internacionais (IPPRI), da Unesp, Rocha empreendeu um longo trabalho no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos da Reforma Agrária (NERA) e no Dataluta – Banco de Dados da Luta pela Terra, ambos na FCT.

“A Reforma Agrária brasileira resulta da conflitualidade entre o protagonismo dos movimentos socioterritorias, a ação do Estado e a resistência do agronegócio,” assinala Fernandes. Rocha completa o raciocínio afirmando que a reforma agrária constitui-se em um processo constante que não se encerra com o acesso ou a garantia a terra.

Entre 1950 e 2010, período estudado, o pesquisador aponta a produção de aproximadamente nove mil territórios camponeses, distribuídos em 88 milhões de hectares, com cerca de 1,1 milhão de famílias beneficiadas. Seguindo a tendência econômica, social e ambiental de cada região, os territórios foram divididos em agropecuários e agro-florestais-extrativistas.

Na opinião de Fernandes, nesses 60 anos foi realizada a reforma agrária possível, resultante da correlação de forças entre as instituições envolvidas. “A reforma agrária defendida pelos movimentos, a desapropriatória, foi cumprida parcialmente. O que predominou foi a reforma agrária a partir da regularização fundiária das terras públicas,” explica o orientador.

Os territórios agropecuários correspondem a 93,1% (8.460 hectares) do total, com 81,8% (942 mil) de famílias beneficiadas em 49,7% (44 milhões) da área destinada à reforma agrária. “Os territórios desse grupo estão distribuídos em quase todo o país”, diz Rocha. Os agro-florestais-extrativistas correspondem a 6,9% dos territórios (631 hectares), 18,2% (209 mil) das famílias em 50,3% (44,6 milhões) da área destinada à reforma agrária. “Esses projetos estão, majoritariamente, na Amazônia Legal, fruto da regularização fundiária,” esclarece.

Rocha chama a atenção para a disparidade entre os territórios destinados ao campesinato, fruto da reforma agrária, e do agronegócio. Citando o censo agropecuário de 2006, ele informa que o campesinato dispõe de 80 milhões de hectares de terra, contra 249 milhões do agronegócio. O pesquisador adverte que a predominância territorial do capital impede a consolidação do processo de reforma agrária no Brasil. “A hegemonia capitalista está calcada no controle político dos poderes que compõe o Estado e, consequentemente, no domínio do processo de implantação das políticas públicas,” comenta. Apesar deste predomínio territorial, o campesinato responde por 70% dos alimentos consumidos e por 74% do emprego de mão de obra do campo. (Gráfico abaixo).

Agricultura camponesa x Agronegócio

agricultura familiar x agranegocio producao de alimentos

Fonte: IBGE, 2006; MST, 2012.

Sistemas de produção – Fernandes explica que enquanto no sistema do agronegócio impera a monocultura, a produção em grande escala e o trabalho assalariado, no campesinato essas referências dizem respeito à biodiversidade e à produção em pequena escala de base familiar. No Brasil, pode-se destacar, ainda, que no sistema do agronegócio predominam a produção de mercadorias (commodities) direcionadas para exportação; o uso intensivo de insumos e defensivos químicos; e a precarização do trabalho. No sistema camponês, o intuito principal é a produção familiar. O excedente produtivo é destinado ao mercado local, regional ou nacional, em alguns casos busca-se no mercado internacional uma alternativa de renda.

Protagonismo e políticas públicas – Os movimentos socioterritoriais e as instituições igreja e universidade desempenham papel fundamental na elaboração e, em alguns casos, na execução das políticas públicas relativas à reforma agrária nacional. Para o orientador Fernandes, existe ao menos duas possibilidades de políticas públicas relacionadas com o desenvolvimento territorial do campesinato brasileiro.

A primeira refere-se àquelas de caráter compensatório. A segunda diz respeito às políticas públicas com o viés emancipatório. “A compensatória busca incluir o camponês no sistema capitalista de produção”, diz Fernandes. Elas são idealizadas dentro do Paradigma do Capitalismo Agrário, expressão utilizada para designar uma política pública de subalternidade. “O problema, dentro dessa perspectiva, não é reconhecido como gerado pelo próprio capitalismo, de modo que a subalternidade se reproduz, criando uma dependência eterna,” polemiza. A política pública emancipatória é formulada no sentido de proporcionar a emancipação dos territórios reformados. Em geral, são políticas construtivas, em alguns casos, elaboradas pelos próprios beneficiários. O pesquisador destaca o PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) como uma política nacional de perfil emancipatório, considerando tratar-se de um investimento na formação educacional e na capacitação técnica.

Rocha conclui destacando o potencial transformador das políticas públicas voltadas para a reforma agrária. A diversidade dos territórios produzidos e a quantidade de pessoas beneficiadas, direta e indiretamente, são argumentos que fortalecem a necessidade repensarmos a reforma agrária brasileira”.

Fonte: Assessoria de Comunicação e Imprensa do IPPRI_Unesp